quinta-feira, 17 de abril de 2014

Um meteoro chamado Nil Lus

Há 25 anos vivendo fora do Brasil, já morou em oito países. O Canhão do Handebol, apelido que o marcou no esporte, onde se consagrou como atleta e também impulsionou sua carreira artística. Já gravou 12 discos e tem dois livros lançados. Já compôs mais de mil canções. Foi laureado com dois prêmios internacionais. Consagrado internacionalmente, ainda é desconhecido do grande público brasileiro, mas por pouco tempo. Em breve, este artista, que tem em seu currículo o fato de ter sido o único músico independente do Brasil a se apresentar no festival de Montreaux e ter recebido, de presente, uma composição inédita de Tom Jobim para gravar, terá reconhecido seu lugar de honra na cultura popular brasileira, pois já o tem mundo afora.  


LUIZ CARLOS: O que chegou primeiro na sua vida, o esporte ou a arte?
Nil Lus: Primeiro, a arte, na forma da palavra. Tive grandes professores e a sorte de ter tido uma grande professora, que foi uma das três Marias de minha vida. Além dela, minha mãe e minha avó. Meu sonho era ter um violão, mas meu grande sonho mesmo era ser pianista. Minha mãe, muito engraçada, dizia que, se comprássemos  o piano, teríamos que vender a casa e viver dentro dele (risos). Com 31 anos, descobri que minha mãe não era de fato minha mãe biológica. Eu sempre brincava com ela que a devia nove meses de aluguel, mas depois vi que nem isso a devia. Voltando à arte, ela abriu uma poupança e comprou um violão para mim. Minha professora primária, Maria do Rosário, foi à minha casa e disse para minha mãe que eu era uma criança muito especial. Ela me trouxe um presente: era um livro. Quando abri, vi que era um dicionário. Na primeira página, escreveu: “Querido Niltinho, este livro contém todas as histórias do mundo. Encontre-as e revele-as para nós”. Isso sintetiza minha vida. Toda a minha música é carpetada pela palavra. Esse cenário feminino marcou muito a minha vida. A  minha avó também. Em meu livro, o protagonista é uma mulher. O pouco ou muito que sei, foram as mulheres que me ensinaram. Tenho muito respeito por elas.

LUIZ CARLOS: Se não te conhecesse, te classificaria como um lutador de MMA, de boxe.
Nil Lus: Meu pai tinha duas grandes paixões: o boxe e a música. Meu meio irmão se chama Jofre, por causa do Éder Jofre. E meu pai adorava o Carlos Gomes. Em minha época de atleta e jogador, havia um goleiro do Cruzeiro chamado Gomes. Coincidentemente, um dia, ao voltar de uma excursão internacional, encontramos a equipe profissional do Cruzeiro. Todos os atletas do Cruzeiro me olhavam, e eu achava que me reconheciam como o Canhão do Handebol. Então, dois jornalistas correram em minha direção, me chamando de Gomes. Descobri que este goleiro e eu éramos sósias! Pra minha grande surpresa, o nome dele é Carlos Gomes Cruz. O nome que meu pai sonhava me dar! Isso me provocou muita coisa. Eu fazia três faculdades naquela época e já fazia música. E ainda tinha um nome parecido com o do general Newton Cruz, da época da ditadura. Toda essa dicotomia provocou a busca de minha própria identidade. Dessa forma, através de minha busca pessoal, cheguei ao Nil Lus, meu nome artístico.

LUIZ CARLOS: Você já estava no auge de sua carreira no esporte. Que idade tinha?
Nil Lus: Sim, tinha 22 anos. Eu era armador esquerdo no handebol. Fui o terceiro melhor do mundo, artilheiro no sul-americano,  recebi medalha no pré-olímpico e recebi propostas para jogar no exterior. Eu já musicava peças teatrais e fazia três faculdades. Ou seja, minha vida estava em plena efervescência, e, ao mesmo tempo, confesso, estava perdido. Eu me lembro de uma frase de minha mãe, que disse quando ficou sabendo que eu tinha passado nos três vestibulares: “E agora, meu filho, o que você vai fazer com essas três dificuldades?”

LUIZ CARLOS: Fale do Nil Lus, como empreendedor e artista.
Nil Lus: De fato, no mundo artístico, o artista tem que ser um homem de negócios, um empreendedor.  Você não precisa ser o artista da marginalidade, o notívago. Principalmente na Europa, a visão e a postura do artista são outras.

LUIZ CARLOS: Um dia, Caetano Veloso, ao ser perguntado sobre os grandes movimentos da música do Brasil, disse que, apesar do movimento da Tropicália ter sido tão importante e reconhecido, ele tinha muita vontade de ter participado do Clube da Esquina.
Nil Lus: Mas, curiosamente, ninguém tinha intenção de criar nada. Tudo aconteceu espontaneamente. Não havia intenções, mas atitudes. Hoje também temos desejo de fazer algo diferente aqui, marcar a nossa época.

LUIZ CARLOS: Como você define o movimento cultural mineiro?
Nil Lus: Para responder a essa pergunta, posso citar a frase de um grande amigo meu, o Adão Ventura, que disse que Minas era um Triângulo das Bermudas da cultura. Aqui, as grandes ideias se afundam. No entanto, tudo o que afunda pode soerguer um dia. Uma semente precisa afundar na terra para se erguer. Este magnetismo das montanhas de Minas atinge não apenas nós artistas, mas profissionais de todas as áreas. Estas Minas Gerais acabaram provocando em nós uma espécie de vulcanização. Quanto mais velho fico, mais percebo que o apelido da juventude me cabe. Minha vida não é pacífica, mas uma revolução silenciosa o tempo inteiro. Um dia, um grande amigo meu, o Nelson Ned, me disse: “se eu tivesse ficado em Minas, eu seria anão de circo”. Eu  consegui transcender esse magnetismo.

LUIZ CARLOS: Minas continua sendo esse triângulo das bermudas da cultura?
Nil Lus: Eu pergunto também, te devolvendo: você sabe o que é o triângulo das bermudas da cultura? É um portal, um celeiro de grandes atletas, um vulcão magnético de potencialidades. A única coisa que me faz mal é que, apesar de grandes músicos do mundo estarem aqui, onde estão as gravadoras? Elas estão no Rio, em São Paulo e até na Bahia, mas e aqui? Onde estão? Por que sempre ausentes? Eu nunca viveria aqui de novo. Considero isso uma desconexão, pois não entendo como nunca houve aqui uma indústria cultural. Tem uma coisa errada. Será que não há oferta, não há procura? Da mesma forma na literatura. Por que aqui não existe um escritório de uma grande editora? E por aí vai. É essa morte anunciada do artista mineiro que é o meu temor.

LUIZ CARLOS: Qual a solução?
Nil Lus: Se aqui não tem, vamos para onde tem. Se eu estivesse aqui, não teria 12 discos, não teria dois prêmios internacionais. Por isso, gostaria que todos os artistas aqui se unissem para convocar a indústria cultural para que esta reconheça a grande produção e o público consumidor aqui existentes. Grandes artistas vêm aqui testar seus produtos. Aqui é o mercado-teste. Daniela Mercury esteve em Belo Horizonte e disse algo muito importante: metade da arrecadação do produto externo dos Estados Unidos vem da cultura.

LUIZ CARLOS: Por que não podemos fazer a mesma coisa aqui, no Brasil?
Nil Lus: Neste falso triunfalismo que vivemos no Brasil, ainda não há espaço para o produto arte. Para mudar isso, temos que mudar a nossa realidade primeiro. Temos que exigir nosso lugar no mercado nacional e mundial.

LUIZ CARLOS: Eu mesmo estou tendo a oportunidade de conhecer o seu trabalho e estou admirado. Queria que você fizesse uma ode de sua própria vida, abrindo este livro que você já começou a ler para nós.
Nil Lus: Eu sou um menino que se esqueceu de crescer, apesar de minha altura. Mesmo morando em oito países diferentes e conhecendo outros 45, eu tenho um grande orgulho de ser brasileiro. Acredito no contentamento humano. Sou uma espécie de guerreiro da luz. Estou em busca de trocar a incandescência pela luminescência. Tem muito do esporte dentro de mim, do Canhão. Sou um eterno menino em busca de vitórias. Sou muito inquieto, envolto em muitas coisas boas. Estou escrevendo uma trilogia de caráter reencarnacionista. Fui ao Vaticano agora, pois não é possível escrever sobre o tema sem pesquisar esses lugares. Eu também bebo nessa fonte cristiânica. Estou bastante envolvido nisso. Minha forma de escrita é musical. Eu tive a bênção de aprender e desaprender ao mesmo tempo. É o grande desafio de nossa inteligência. Temos que aproveitar tudo isso e fazer acontecer toda a nossa experiência e o nosso conhecimento. O que quero hoje é verdade, utilidade e generosidade. Minha música, se não trilhar por isso, me fará um sujeito fracassado. Sou um operário da minha música e da minha literatura.  Pois, todos os dias, desaprendo alguma coisa. Deixo o velho para que o novo conhecimento derrube-o. Tenho que ser um eterno aprendiz, e essa é a filosofia de minha vida. Meu novo livro será musicado com as participações de Toninho Horta, meu grande amigo, e da orquestra sinfônica de Lübeck, cidade alemã onde moro. Sou um fazedor. Um realizador.

LUIZ CARLOS: Você teve momentos marcantes em sua vida como artista. Cite alguns deles.
Nil Lus: Eu gravava um disco em 1994 e fiquei sabendo da morte de Tom Jobim. Nessa ocasião, escrevi uma canção em homenagem a ele, que chegou às mãos de sua irmã, Helena Jobim, que a considerou a mais bonita, o que muito me lisonjeou. E aconteceu após um fato magnificente. Recebi um convite de Helena para visitar a casa de Tom Jobim. Quando entrei em sua casa, eu, muito sensitivo que sou, vendo ali as fotos de Tom e parceiros como Vinícius de Moraes, pedi licença e sentei ao piano dele. Em cima do piano, havia uma maçã artificial. Peguei essa maça e brinquei com ela enquanto dedilhava as teclas do piano. Neste momento, Helena começou a chorar. Ela disse: “Meu Deus, Tom não gostava que ninguém sentasse aí. Mas você tem essa permissão... Você segurou a maçã da mesma forma que o Tom!”. Passada essa emoção, Helena disse a Manoel, seu marido, que estava na hora de dar aquele presente para mim. Trouxe uma fita cassete e disse que era uma canção inédita de Tom que Ângela Maria gravara na época do rádio e era tocada pelo maestro Caçulinha.  Ela me ofereceu essa canção de presente para gravar. Ou seja, eu tenho uma composição inédita do Tom Jobim em um disco meu. Convidei uma cantora portuguesa para interpretar essa canção. Essa cantora é a única da língua portuguesa e de todo o universo lusófono, que já cantou com todos os grandes nomes da música brasileira. Ela também foi a última cantora que cantou com Tom Jobim. Ela se chama Eugênia Melo e Castro. Esse foi o maior prêmio de minha carreira. O segundo foi durante minha juventude. Um dia, numa roda, 20 anos atrás, me perguntaram qual era meu poeta predileto. Eu respondi que era Carlos Drummond de Andrade, com quem havia me correspondido. Meus amigos zombaram de mim e disseram: “nós somos ignorantes, mas não somos burros, não” (risos). Muito tempo depois, em meu livro, a carta que havia recebido de Drummond agradecendo um comentário meu sobre um poema seu estava nele publicada. A resposta a meus amigos demorou, mas veio! (risos).

LUIZ CARLOS: Deixe um recado para os jovens brasileiros que têm crise de identidade, pois estamos falando para os cidadãos do mundo, com tantas possibilidades e que, como você teve, têm tantas dúvidas do caminho a seguir.
Nil lus: Existe um poeta francês, André de Chenier, que tem uma frase muito bonita e que me ajudou muito na minha estrada: “A vida tem sempre cem caminhos a seguir: escolhemos um e vivemos com nostalgia dos outros 99”. Mas eu complemento, dizendo que também carregamos os outros 99 conosco. Eu apadrinho 350 crianças no Brasil. Eu, criança pobre que fui, realizei meus dois sonhos de menino, sendo um atleta respeitado e jogando no mundo inteiro, através do handebol, um dos dois esportes mais completos que existe, e com a arte, que me ajuda a trilhar os outros 99 caminhos. Devo tudo a meus pais, falando do maior valor que eu tenho. E o maior exemplo que hoje temos é um homem que vem resgatando a dignidade do nosso país e que se chama Joaquim Barbosa. Tudo o que a vida me deu foi o que a música e o esporte me deram. Quando venho ao Brasil, sou tratado como príncipe e trato meus amigos como reis. É possível ter amor, confiança e não vendê-los. O Brasil precisava desse exemplo.  Joaquim Barbosa é um homem que não se permitiu corromper. Tem pessoas que dizem que não tem talento nenhum. Mas tem talento para amar, pra deixar ser feliz e realizar. Vou terminar falando que ter um cara como o Joaquim Barbosa por aí me faz ter vontade de chamar o mundo de Brasil.

LUIZ CARLOS: Eu escutei muitas vezes seu CD gravado ao vivo no Festival de Montreaux e particularmente cito a beleza da canção “Hotel Paradise” e o momento em que você teve a coragem de interromper seu show para falar da morte de sua irmã.
Nil Lus: Sim, agradeço a sua sensibilidade por observar isso. Eu fiquei sabendo momentos antes, e era muito caro cancelar o show. Meus amigos disseram para cancelar, mas, vendo minha decisão em continuar, ficaram comigo no palco (nesse momento de lembrança, chora). Nunca mais toquei essa música em shows.

LUIZ CARLOS: Queremos te reverenciar aqui hoje, aprovleitando para parafrasear um grande homem brasileiro, João Saldanha, e te convidar para abrir o meu projeto Woodstock brasileiro, pois você é uma fera.
Nil Lus: Obrigado. Estou à disposição para esse novo projeto.

Essa entrevista foi realizada no Hotel Flamboyant, em Belo Horizonte e as fotos foram gentilmente tiradas por Ivany Cruz, funcionária do hotel. Nossa entrevista foi também recheada por muitos cafezinhos, tomados pela dupla do “Cidadão do Mundo”, e até uma cerveja. Nosso entrevistado apreciou duas ou tres caipirinhas, como bom “estrangeiro” que se tornou.


Postado por Luiz Carlos Faria em 17/04/2014.
Assessora de Comunicação e Marketing Tarcilla Vieira.

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